sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Marionetes

Eu acordava naquela manhã com o sol batendo em minha face e fazendo meus olhos arderem, meu corpo cansado se levanta da humilde cama onde esse pobre ventríloquo dorme apertado num cubículo que pode ser chamado de quarto, eu caminho pelo corredor da minha casa e pego a chave à qual guardo com minha vida, pois o que ela abre é o meu tesouro, a minha paixão, eu me direciono a uma porta no final do corredor, uma porta antiga, pesada por causa dos mistérios que guarda, a chave se encaixa na fechadura e gira abrindo assim meu coração e revelando meu tão valioso segredo. Uma sala arrebatada de fantoches e marionetes, a luz invade o local, eu vejo os meus amores, olhando pra mim, o olhar frio e sereno, o corpo de madeira, os braços e pernas presos por fios de náilon, o rosto torto se alegra quando me vê e eu compartilho o mesmo sentimento. Eu seguro todos eles em meu colo e canto para acalmá-los, minha voz doce me conforta, pois não consigo viver um dia sem eles, eu seguro os fios e os faço brincar, eu consigo escutar o som da madeira roçando e das hastes se movimentando permitindo a eles que conversem comigo. Um deles está quebrado, eu pego o martelo, pregos, tinta e começo a consertá-lo, aquilo me gratifica, ajudar meus filhos a viver sem dor e sem angústia, alguns usam máscaras, outras se vestem como pierrôs, com as faces pintadas para divertir qualquer um que avistarem, eu me fascino cada vez mais com meus filhos, eles me fazem rir, derramo lagrimas de felicidade, orgulho maior não há, eles são artistas, vão aos palcos fazendo as pessoas rirem e as vezes chorarem, mas não me importo, toda criança faz suas travessuras. Eles sussurram histórias no meu ouvido, bem baixinho, histórias de todos os tipos, que te fazem rir, chorar, ficar com medo, os palhaços jogam as serpentinas e tocam as cornetas anunciando a felicidade que desce dos céus, mas eu fico em casa cuidado dos meus amores, a minha vida é toda dedicada à eles, um trabalho eterno, sem descanso. Hoje nós vamos nos apresentar, subimos no palco e o show começa, façanhas são feitas lá em cima, e os meus bonecos começam a tomar vida, os sorrisos estridentes e os olhos fixos do publico me enchem de alegria.

O espetáculo prossegue, até que em uma hora, meus meninos fazem uma travessura sem tamanho, me colocam como fantoche, para ser alvo de risadas infames e olhares petulantes, eu sinto agora o que eles sentem, eles não gostam, mas agora é tarde, eles me castigaram, eles pegam a tesoura, a platéia aplaude de pé e eles cortam os fios que seguram a minha vida e eu desabo diante das palmas do publico emocionado, meu sangue escorre por cima das escadas chegando até o publico, eles correm assustados como bichos acanhados. O que esta acontecendo? Será que eles não gostaram do meu espetáculo?

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O Cirurgião

Minha vida corria normalmente, quando de repente eu recebo a pior noticia de minha vida: meu coração irá parar de funcionar em um mês, uma rara bactéria se alojou eu meu órgão fazendo com que lentamente ele paralise e pare de funcionar, o medico diz que a minha ultima salvação é um transplante, eu me desespero a cada dia por saber de minha horrível enfermidade, os pesadelos me visitam toda noite, eles vem zombar de mim, rir da minha desgraça, risadas sínicas ecoam pelos espaços confusos de minha mente e a minha vertigem foi embora junto com a minha esperança. Não tenho mais motivos para sair de casa, mas minha família insiste em me ver feliz outra vez, eu saio pela porta com intuito de apenas me despedir do mundo, pois não levarei nada comigo, eu me arrasto pelas calçadas como um andarilho com a vida condenada por toda a eternidade, enquanto eu caminho, eu passo por um hospital velho e imundo, e saio escondido da minha família para visitar o lugar onde minha salvação poderia estar. Ao entrar no recinto a minha alma se acalma e repousa no consolo da morte, um homem se aproxima de mim e tenta me acalmar, ele esta trajado com um avental de borracha embebido em sangue e uma mascara cirúrgica, eu conto toda a minha historia para ele, e como num milagre ele me conta que nesse hospital eles acabaram de receber um órgão de um doador falecido e que eles poderiam fazer o transplante em mim por causa da raridade da minha doença, meu coração já doente explode de alegria por saber que eu ainda tenho uma chance de sobreviver. Ele me leva até o centro cirúrgico e me manda despir, eu me deito sobre a maca e ele me cobre com uma mortalha e estranhamente ele me amarra com cintos presos entre as ferragens da cama, eu entro em desespero e pergunto:

- Por que está fazendo isso?

- Para você não fugir, estamos em falta com a anestesia.

Aquela noticia me abala e agora eu já sei o que me vai acontecer, era mortífera a sensação de saber que seria dilacerado por um homem insano e maníaco, ele fecha a porta cautelosamente aumentando ainda mais meu suspense e eu torno a perguntar:

- Por que você esta fechando a porta, o que esta acontecendo aqui? Me deixa ir embora, eu te imploro – disse eu berrando entre lagrima e soluços de desespero.

- Isso é para ninguém escutar seus gritos de dor – disse ele em meio a gargalhadas sinistras como se ele estivesse possuído.

Ele pega um bisturi completamente enferrujado e começa a brincar de medico com meu corpo, as mãos calejadas daquele cirurgião alertavam que ele não era médico de primeira viagem, que já teria brincado disso varias vezes. Antes de morrer finalmente tendo meu coração arrancado eu escuto o som de uma sirene de policia vindo, e essa foi a minha ultima lembrança de vivo ate sentir meu espírito abandonar meu corpo.

Depois de alguns dias eu volto ao meu túmulo e vejo a minha família me deixando flores na minha tumba, e leio escrito em minha lápide:

“Aqui jaz, Lúcifer, que nasceu da escuridão do ventre no qual se brota a luz”

Isso mesmo meu nome era Lúcifer, o anjo pródigo se levanta das entranhas do solo em busca da única coisa que eu quero ainda na terra. Vingança.